Sob críticas do governo do estado do Rio de Janeiro, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 635, conhecida como ADPF das Favelas, terá seu julgamento retomado nesta quarta-feira (5) pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A ação foi impetrada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 2019, argumentando que as ações policiais, em vez de prevenir mortes e conflitos armados, incentivam a letalidade promovida pelo Estado.
Histórico da ADPF
Com a chegada da covid-19, em 2020, o ministro do STF, Edson Facchin, decidiu suspender, em junho daquele ano, as operações policiais em comunidades do Rio durante a pandemia. As operações deveriam ser restritas a casos excepcionais, informadas previamente ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). Facchin também determinou a instalação de câmeras nas fardas e equipamentos de GPS de policiais, além da gravação em áudio e vídeo nas viaturas, incluindo as unidades de operações especiais da Polícia Militar (Bope) e da Polícia Civil (Core).
Em agosto de 2020, uma nova liminar do STF restringiu o uso de helicópteros apenas para casos de estrita necessidade, considerando que as aeronaves estavam sendo utilizadas como plataformas de tiro. A realização de ações próximas a creches, escolas e unidades de saúde deveria ser excepcional e justificada ao Ministério Público, e o uso dessas instalações como base policial durante as operações foi proibido.
Opiniões Divergentes
O governador fluminense, Cláudio Castro, criticou a ADPF 635, afirmando que a medida retira do povo o direito à segurança pública. “Ninguém aqui foge à crítica ou de um processo de melhoria e evolução. Acho positivas as situações em que a ADPF venha melhorar a atividade policial e o reforço na transparência. Os casos complexos são esse critério de extraordinariedade, que vem de encontro à ostensividade, que é o trabalho da polícia”, afirmou.
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, entrou como amicus curiae no processo, destacando um aumento da ocupação territorial pelo crime organizado. “Essa ADPF tem um problema grave. A impressão que se tem é que, de um lado, ela serviu de desculpa para aqueles que não querem trabalhar ou não têm competência para fazer valer a autoridade e o monopólio da força do Estado”, disse Paes.
Dados sobre Ações Policiais
Apesar das críticas, as liminares do STF não impediram que as forças policiais fluminenses realizassem mais de 4 mil operações policiais desde junho de 2020 até janeiro deste ano. Segundo dados do MPRJ, foram cerca de 4.600 operações em comunidades do estado, resultando em 236 mortes registradas durante esse período. O MPRJ também criou um novo Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) para aprimorar a fiscalização da atividade policial.
O pesquisador Daniel Hirata, do Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos (Geni) da UFF, contestou a ideia de que a ADPF impede operações policiais. “As operações policiais são necessárias no cenário do Rio de Janeiro. O que ocorre é que temos tido muito menos mortos durante operações policiais, e isso é resultado da ADPF 635”, afirmou.
Impactos da ADPF
O Instituto Fogo Cruzado indicou que a ADPF 635 tem sido um instrumento fundamental na proteção de vidas e planejamento de ações de segurança pública, com a redução de 23% nos tiroteios e 26% no número de pessoas baleadas no primeiro ano de sua implementação. A ONG Redes da Maré também relatou uma diminuição de 51,9% na letalidade em favelas, com o número de mortes caindo de 1.814 em 2019 para 871 em 2023.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) participará como amicus curiae no julgamento e defendeu a ADPF, ressaltando a necessidade de um esforço conjunto para a construção de uma segurança pública cidadã, onde as forças policiais garantam direitos e a segurança da população.
Conclusão
A discussão em torno da ADPF 635 revela um cenário complexo, onde a segurança pública e os direitos humanos se entrelaçam, e o papel do Estado na condução de operações policiais continua sendo um tema central no debate sobre a segurança no Rio de Janeiro.