Uma lei municipal que proibia homenagens a escravocratas e figuras responsáveis por atos lesivos aos direitos humanos no Rio de Janeiro foi revogada pouco mais de um ano após sua promulgação. A revogação, sancionada pelo prefeito Eduardo Paes na última semana, se dá em um contexto de intensos debates sobre memória histórica e reparação social.
Contexto da Lei Municipal 8.205/2023
A Lei Municipal 8.205/2023, proposta pelos vereadores Chico Alencar e Mônica Benício, buscava remover de espaços públicos monumentos, estátuas e placas que exaltassem personalidades envolvidas com a escravidão e o racismo. O texto estabelecia também que homenagens já existentes deveriam ser removidas e transferidas para locais museológicos, acompanhadas de informações que contextualizassem suas histórias.
Aprovada pela Câmara Municipal em 26 de outubro de 2023, a lei entrou em vigor em 28 de novembro do mesmo ano, após a sanção tácita do prefeito, que não se manifestou em 15 dias úteis.
Revogação da Lei
O projeto para derrubar a medida foi assinado por vereadores de diferentes partidos, como Dr. Gilberto (SDD) e Carlos Bolsonaro (PL), além de contar com o apoio de três comissões da Câmara. A justificativa apresentada pelos proponentes da revogação afirma que a medida visa a "evitar que personalidades históricas de relevância para o país sejam afetadas pela referida lei".
Após um ano de tramitação, a revogação foi aprovada por 24 votos a 7 na sessão plenária da Câmara Municipal em 5 de dezembro de 2024. Com a sanção do prefeito em 2 de janeiro, o projeto se tornou a Lei Municipal 8.780/2025.
Monumentos em Debate
A proibição de homenagens a personagens ligados à escravidão é uma pauta levantada por coletivos antirracistas desde 2020, como a Galeria de Racistas, que lista monumentos problemáticos em todo o Brasil. Entre os mencionados estão o Marquês de Lavradio, responsável pelo desembarque de escravizados, e Manuel Nunes Viana, que utilizava escravizados em guerras.
Outro monumento polêmico é o de Tiradentes, que, apesar de sua importância histórica, é apontado como proprietário de escravos. A plataforma também critica o padre Antônio Vieira, cujas obras defendiam a escravização de negros.
Divergências e Debates
Durante os debates, defensores da revogação expressaram preocupações sobre a amplitude da Lei Municipal 8.205/2023, argumentando que sua aprovação ocorreu sem o devido debate. O vereador Pedro Duarte (Novo) comparou a situação a tentativas no Reino Unido de remover estátuas de figuras históricas controversas.
Por outro lado, a vereadora Mônica Benício (PSOL) defendeu a lei original, enfatizando a necessidade de se contar a história do ponto de vista dos oprimidos. Para ela, o que se busca não é o apagamento, mas uma reparação e um debate mais amplo sobre o que essas figuras representam na história do Brasil.
A historiadora Camilla Fogaça, uma das organizadoras da Galeria de Racistas, lamentou a revogação, afirmando que a medida era uma forma de atualização histórica e uma resposta aos anseios de uma parte da sociedade que contesta a narrativa hegemônica.
Conclusão
A revogação da lei que proibia homenagens a figuras ligadas à escravidão evidencia um conflito profundo sobre memória, reparação e os valores que moldam a sociedade contemporânea. As discussões em torno da revogação e da importância de se reavaliar o legado desses monumentos continuam a gerar debates acalorados, refletindo a complexidade da história brasileira e suas repercussões no presente.