Zezé Motta e o Legado de Lélia Gonzalez: Homenagem aos 90 Anos da Filósofa e Antropóloga
A atriz Zezé Motta nunca se esqueceu da primeira frase da filósofa e antropóloga Lélia Gonzalez, proferida durante a aula inaugural de um curso sobre cultura negra, no Rio de Janeiro, em 1976. Naquela época, a atriz buscava articular um discurso antirracista e saiu da aula com a autoestima renovada, juntando-se àqueles que combatiam a discriminação racial no Brasil. A frase que marcou Zezé foi: “Eu sei porque vocês estão aqui, mas gostaria de lembrá-los que não temos tempo para lamúrias, temos de arregaçar as mangas e virar o jogo”. Essa citação, frequentemente mencionada por Zezé em entrevistas, retrata o impacto do curso na Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage, que abordou temas como identidade e a contribuição da população negra à cultura brasileira.
A amizade entre Lélia e Zezé se fortaleceu ao longo dos anos, como evidenciado em um vídeo do programa "Os Astros", gravado na casa da atriz e recuperado do acervo da antiga TVE, atual TV Brasil. Lélia não apenas transformou a vida de Zezé, mas também deixou um legado duradouro para muitos outros.
Em homenagem aos 90 anos de nascimento de Lélia Gonzalez, no dia 1º de fevereiro, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) receberá o Projeto Memória. O evento, que começa na próxima segunda-feira (3) no centro do Rio de Janeiro, discutirá a vida e obra de Lélia, contando com a presença de intelectuais como Sueli Carneiro e Conceição Evaristo, além da exposição "Caminhos e Reflexões Antirracistas e Antissexistas".
Reconhecida como uma das maiores pensadoras brasileiras, Lélia foi pioneira ao incluir a questão de gênero no debate sobre racismo, evidenciando como as mulheres negras enfrentam desafios adicionais. Ela propôs um feminismo afrolatinoamericano, que destacava a luta de mulheres indígenas e negras, frequentemente negligenciadas na agenda feminista branca. A professora e ex-parlamentar Jurema Batista comentou sobre as desigualdades enfrentadas pelas mulheres negras, que, enquanto cuidavam dos filhos das famílias brancas, não tinham os mesmos direitos e condições de vida.
Lélia também refletiu sobre a situação dos negros na América Latina, colaborando na fundação do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN) e do Movimento Negro Unificado. Esses movimentos denunciavam o mito da democracia racial, defendendo políticas públicas para a população negra. Entre seus conceitos inovadores, destacam-se “Améfrica” e “pretoguês”, que ilustram as influências africanas na língua portuguesa no Brasil.
Para Sueli Carneiro, o legado mais precioso de Lélia foi sua coragem. "Ela combateu o racismo e sexismo em uma época de ditadura militar e tinha clareza de que somente a luta política erradicaria o racismo e suas mazelas", refletiu em um curta exibido no CCBB.
Nos dias 1º e 2 de fevereiro, o Projeto Memória no CCBB contará com debates entre intelectuais, sempre das 18h às 22h, sobre o legado de Lélia e suas ideias. Para participar dos eventos, é necessário retirar ingressos gratuitos na bilheteira virtual do CCBB, disponível no site bb.com.br/cultura, a partir das 9h de cada dia. A mostra educativa, que inclui um painel sobre a trajetória da ativista e um documentário com depoimentos de intelectuais e descendentes sobre sua importância, ficará em cartaz até 7 de abril, das 9h às 20h, com entrada franca. O CCBB está localizado na Rua Primeiro de Março, nº 66, no centro do Rio.