Exposição em Porto Alegre rememora imprensa negra na ditadura


Exposição Grupo Tição e a Imprensa Negra no RS – 132 Anos de História

Termina na próxima quarta-feira (18) a exposição "Grupo Tição e a Imprensa Negra no RS – 132 Anos de História", que está sendo realizada no saguão da Escola de Comunicação, Artes e Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre.

A Tição foi uma publicação em formato de revista e jornal que circulou entre março de 1978 e outubro de 1980, em um período de abertura política e distensão da ditadura cívico-militar (1964-1985). Apesar de ter lançado apenas três edições, a publicação é amplamente estudada por seu pioneirismo ao abordar questões relevantes para a população negra em um estado predominantemente branco, dentro de um contexto histórico delicado como o da ditadura.

“O objetivo da Tição foi exatamente dar visibilidade para pautas importantes para a população negra, garantindo um mínimo de visibilidade aos negros em um estado que é visto, inclusive nos nossos dias, como um lugar onde teria ocorrido apenas colonização europeia”, explica à Agência Brasil o curador da exposição Deivison Campos, pesquisador e coordenador do curso de jornalismo da PUCRS.

Deivison Campos destaca que a Tição estabeleceu “diálogos” com outras publicações contemporâneas do movimento negro em outras cidades, como o jornal Sinba, da Sociedade de Intercâmbio Brasil-África, no Rio de Janeiro, e o Jornegro, produzido pela Federação das Entidades Afro-Brasileiras do Estado de São Paulo. Esse contato com a imprensa negra em outras cidades confirma a importância do movimento negro de Porto Alegre para o país.

“Não por acaso foi aqui que surgiu a ideia do 20 de novembro, como Dia da Consciência Negra”, acrescenta Campos, referindo-se ao Grupo Palmares, fundado no início dos anos 1970 na cidade. A publicação Tição abordava temas como identidade negra, “peculiaridades culturais” e “demandas de cidadania”, desafiando um regime ditatorial que propagava a ideia de que o Brasil era uma “democracia racial, onde todos são iguais”.

Para o publicitário Juarez Ribeiro, editor do jornal Nação Z, a existência da Tição era contestatória, mesmo sem assumir uma linha editorial de embate. “Era um projeto voltado para a divulgação da cultura negra. Eu entendo muito mais como uma mensagem culturalista do que uma mensagem política, de engajamento pregando a transformação da sociedade ou enfrentamento do regime imposto”, defende Ribeiro.

Com um discurso que desagradava ao autoritarismo vigente, a Tição foi acompanhada de perto pelas forças de repressão e sofreu censura prévia. A atriz gaúcha Vera Lopes, envolvida no movimento negro de Porto Alegre e que trabalhou na publicação, relembra: “Tínhamos que fazer boneco da publicação e levar para a Polícia Federal. No segundo número, acho que a gente foi duas ou três vezes à Polícia Federal. Ouvíamos: ‘tira isso’, ‘muda esse título’, ‘essa matéria não pode’, ‘essa foto aqui está ruim’. Falavam como se fossem editores.”

Além de Vera Lopes, outros colaboradores da Tição incluíram o poeta e ativista Oliveira Silveira, jovens jornalistas como Vera Daisy Barcellos e Walter Carneiro, o sociólogo Edilson Nabarro e os estudantes Jorge Roberto Freitas e Emílio Chagas. Jeanice Dias Ramos, que hoje atua no Núcleo de Jornalistas Afro-Brasileiros do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul, lembra que, naquela época, “o negro só aparecia na página policial dos jornais. E nós queríamos muito mais que isso.”

A publicação Tição será retomada no próximo ano, em formato de revista, com três edições. A primeira será dedicada à mulher negra, a segunda abordará juventude e a terceira discutirá racismo estrutural e segurança pública. As novas edições terão 52 páginas, tiragem de 2 mil exemplares, com distribuição gratuita para escolas, museus, bibliotecas, universidades, pesquisadores e comunidade negra.

De acordo com Emílio Chagas, as três edições farão comparativos das pautas tratadas nos primeiros números. “Queremos resgatar a memória da revista enquanto um patrimônio cultural da imprensa negra gaúcha e brasileira, e ao mesmo tempo retomar a luta antirracista.” Chagas enfatiza que a agenda da Tição “se mantém extremamente atual: a questão do racismo, da violência policial, da exclusão do mercado de trabalho, do genocídio da juventude negra, o apagamento da historiografia oficial, a questão da estética negra, entre várias outras.”

Serviço:
Exposição "Grupo Tição e a Imprensa Negra no RS – 132 Anos de História"
Data: Termina em 18 de dezembro (próxima quarta-feira)
Horário: Aberta de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 22h
Local: Saguão da Escola de Comunicação, Artes e Design – Famecos – Prédio 7 (Campus da PUCRS – Avenida Ipiranga, 6.681)
Matéria ampliada às 15h15 do dia 13/12/2024.



Fonte: EBC

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