Entidades criticam Meta: “patologização de identidades LGBTI+ é grave”



Diante das alterações nas regras do Facebook e do Instagram anunciadas na última terça-feira (7), diferentes entidades e coletivos que congregam pessoas LGBTI+ têm manifestado temor com um possível crescimento no volume dos discursos de ódio e de mensagens homofóbicas nas duas plataformas digitais. Essas entidades cobram do governo brasileiro e do Congresso Nacional a adoção de medidas que visem proteger os direitos humanos.

> “É necessário revisar a atuação do Grupo Meta no país e, se cabível, impor sanções para assegurar que o ambiente digital não seja palco para retrocessos democráticos e violações de direitos”, registra nota divulgada na quinta-feira (9) pela Aliança Nacional LGBTI+ e pela Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH).

Uma das maiores preocupações das entidades envolve a disseminação de discursos que classificam a homossexualidade ou a transgeneridade como doença mental, apesar do consenso científico atual rejeitar tais teses. Nos Estados Unidos, as mudanças já foram aplicadas. Pelas novas regras, insultos homofóbicos, xenófobos e misóginos que antes eram filtrados, estão sendo liberados. As mudanças foram anunciadas por meio de um pronunciamento em vídeo de Mark Zuckerberg, presidente executivo da Meta, que controla as duas plataformas.

A principal mudança é o fim da checagem de fatos, que tem como objetivo detectar e apontar erros, imprecisões e mentiras nas postagens. Na prática, isso significa que não será mais realizado nenhum trabalho para confirmar e comprovar informações veiculadas pelos usuários do Instagram e do Facebook. Zuckerberg informou que será adotado um modelo de notas da comunidade, similar ao da plataforma X controlada pelo empresário Elon Musk.

> “É uma troca. Significa que vamos mapear menos coisas ruins, mas também vamos reduzir o número de postagens de pessoas inocentes que derrubamos acidentalmente”, disse.

Para a Aliança Nacional LGBTI+ e a ABRAFH, a situação é alarmante.

> “Essa decisão viola os princípios dos direitos humanos, retrocedendo conquistas históricas e reforçando estigmas que colocam vidas em perigo. É essencial recordar que, desde 1990, a Organização Mundial da Saúde não reconhece a homossexualidade como doença, posição corroborada por tratados internacionais que o Brasil subscreve”, registra a nota.

As duas entidades consideram que as mudanças representam grave retrocesso na luta contra a desinformação, podendo comprometer avanços democráticos e atingir direitos fundamentais no Brasil.

> “Essa decisão amplia a disseminação de conteúdos falsos, que alimentam discursos de ódio, preconceitos e violências, colocando em risco a segurança e a dignidade das pessoas LGBTI+, além de ameaçar a coesão social.”

As entidades também chamam a atenção para a importância das discussões no âmbito do Judiciário e do Legislativo. Está em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento de ações nas quais se discute se as redes sociais são responsáveis por conteúdos de usuários, caso deixem de tomar as providências necessárias para remover postagens com teor criminoso. Além disso, no Congresso Nacional, a regulação de conteúdo das plataformas digitais é tema de um projeto de lei que ficou conhecido como PL das Fake News. A Aliança Nacional LGBTI+ e a ABRAFH defendem a necessidade de aprovação de um marco legal sobre o assunto.

> “A ausência de legislação específica tem permitido que empresas como o Grupo Meta tomem decisões arbitrárias e prejudiciais ao interesse público, como o encerramento da checagem de notícias falsas e a permissão de conteúdos que patologizam a transgeneridade e a homossexualidade.”

A resistência à desinformação e aos discursos de ódio é um compromisso que transcende interesses individuais, acrescentam.

Na opinião do presidente do Grupo de Trabalho Memória e Verdade LGBT, Renan Quinalha, o sinal verde dado pela Meta aos discursos de patologização das identidades LGBTI+ é extremamente grave. Em uma postagem veiculada na sexta-feira (10) em suas redes sociais, Quinalha criticou as mudanças anunciadas.

> “Durante muito tempo, fomos considerados não só pecadores, pelas igrejas, e criminosos, pelos Estados, mas também doentes. O estigma que nos foi imposto pelo saber médico é dos mais profundos, porque sempre se beneficiou da legitimidade e do prestígio da ciência.”

Quinalha cita casos de internação compulsória em hospitais psiquiátricos e manicômios judiciários.

> “Fomos submetidos a violências como choques elétricos, lobotomia, insulinoterapia e convulsoterapia. Graças a um abaixo-assinado iniciado em 1981 no Brasil, nosso país despatologizou a homossexualidade em 1985. A Organização Mundial da Saúde o fez em 1990.”

No entanto, ele observa que se trata de uma conquista ainda recente no Brasil e que até hoje não foi alcançada em alguns países. Ele alerta que, sem a moderação das plataformas, a remoção dos discursos de patologização que estiverem em circulação nas redes sociais só será possível acionando o Judiciário.

> “É muito grave. Porque o tempo da Justiça é lento. O estrago já vai ter sido – e já está sendo – feito. Não podemos permitir que as plataformas amplifiquem discursos de ódio impunemente”, escreveu.

Ao anunciar as mudanças nas regras do Facebook e do Instagram, Mark Zuckerberg disse que a recente eleição de Donald Trump nos Estados Unidos é um ponto de inflexão. Ele fez acenos ao novo presidente dos Estados Unidos, que tomará posse no dia 20 deste mês, e assumiu argumentos encampados por Trump e por outros líderes mundiais de extrema-direita que classificam a checagem de fatos como censura.

> “É hora de voltar para nossas raízes de livre expressão no Facebook e no Instagram”, afirmou.

Os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da França, Emmanuel Macron, abordaram o tema em uma conversa telefônica na sexta-feira, manifestando preocupação com o risco de uma ampliação na disseminação de notícias falsas. No Brasil, a Advocacia-Geral da União (AGU) notificou a Meta para esclarecer dúvidas em até 72 horas, enquanto o Ministério Público Federal (MPF) estabeleceu um prazo de 30 dias.

Na quinta-feira (9), o porta-voz da Comissão Europeia, Thomas Regnier, defendeu que a Lei de Serviços Digitais seja respeitada pela Meta, afirmando que a legislação não autoriza remoção de conteúdo legal das plataformas e sim aqueles que podem ser nocivos para crianças ou para o andamento das democracias da União Europeia.

> “Regular tal conteúdo não é censura. Meu gabinete pede responsabilidade e governança no espaço digital, em linha com os direitos humanos”, escreveu o alto comissário da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos, Volker Türk.



Fonte: EBC

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