A diversidade de interesses com a nova composição do Brics, que conta com a participação de mais nove países a partir deste ano, não ameaça os interesses em comum do bloco. Pelo contrário, segundo o embaixador Eduardo Saboia, sherpa do Brasil no Brics, responsável pelas articulações entre os países:
“As convergências estão acima das divergências”, afirmou o diplomata em entrevista à Agência Brasil.
Em 2025, o Brasil assumiu pela quarta vez a presidência rotativa do Brics em meio à expansão do bloco, que agora conta com ao menos nove novos membros: Cuba, Bolívia, Indonésia, Bielorrússia, Cazaquistão, Malásia, Tailândia, Uganda e Uzbequistão.
Criado em 2009, o Brics originalmente reunia, além do Brasil, China, Índia e Rússia. A África do Sul foi o quinto país a ingressar, em 2011, e, no ano passado, Irã, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Arábia Saudita (não oficialmente) já haviam ingressado.
Na nova presidência brasileira, um dos objetivos é promover o desenvolvimento sustentável. O embaixador destaca a promoção da governança inclusiva e responsável pela inteligência artificial como prioridade. Outra questão importante é o combate conjunto às mudanças climáticas e a necessidade de recursos.
“A questão do financiamento é um consenso de que, se você quer promover a mitigação, você precisa pagar”, apontou o embaixador.
Eduardo Saboia também ressalta a importância de ações relacionadas à saúde e às desigualdades em um bloco com países de realidades distintas, mas que podem cooperar.
Entrevista com Eduardo Saboia
Agência Brasil: Em primeiro lugar, o senhor poderia avaliar de que forma o Brics estendido impacta o perfil do grupo?
Embaixador Eduardo Saboia: É um Brics com mais membros do que estávamos acostumados. Essa ampliação ocorreu em 2024. Nós já tivemos um ano com cinco países membros, além dos países originais. Enfim, são países todos muito representativos do sul global. Trabalhamos muito bem durante a presidência russa e continuaremos a trabalhar muito bem com a presidência brasileira. O que teremos na presidência brasileira é que, além desses novos membros, teremos países parceiros, uma modalidade aprovada recentemente. Vamos discutir de que maneira esses países serão engajados nas atividades do Brics.
Agência Brasil: Entre as prioridades da presidência brasileira está a preocupação com os avanços tecnológicos. Qual o papel do Brics por um regramento da inteligência artificial e das redes sociais?
Embaixador Eduardo Saboia: Todos os países estão lidando com o desafio dessa tecnologia disruptiva. É preciso que haja uma reflexão coletiva. Ela ocorre no Brasil e também no âmbito das Nações Unidas. É natural que países do tamanho dos Brics discutam a perspectiva do Sul Global e qual é a melhor governança que atende às nossas preocupações. As preocupações do mundo em desenvolvimento incluem a participação no avanço tecnológico e questões ligadas à desigualdade. Apesar das diferenças políticas, há uma grande convergência de visões em matéria de desenvolvimento.
Agência Brasil: Como o senhor vê o desafio em relação ao combate às mudanças climáticas, considerando os interesses diversos dos países?
Embaixador Eduardo Saboia: São países em desenvolvimento que já trabalham juntos há alguns anos. As convergências estão acima das divergências. Qualquer solução sobre combate à mudança do clima deve envolver os países do Brics. Embora haja pontos de desacordo, muitos elementos são convergentes. O financiamento é um consenso: se você quer promover a mitigação, precisa pagar. Os países em desenvolvimento necessitam de ajuda, e há responsabilidades diferenciadas.
Agência Brasil: Há discussões sobre uma cesta de moedas para o grupo, por exemplo, a possibilidade de substituir o dólar nas transações?
Embaixador Eduardo Saboia: Ninguém está falando em cesta de moedas ou moeda do Brics. O que existe é um trabalho sério, fundamentado em estudos, sobre meios de pagamento e utilização de moedas locais. O objetivo é aumentar o comércio, fluxos de investimento, gerar prosperidade, renda, emprego e desenvolvimento.
Agência Brasil: Em relação ao combate às desigualdades sociais, esse tema une todos os países do Brics?
Embaixador Eduardo Saboia: Sim, existem perfis diferentes. Há países que conseguiram uma transformação incrível, como o Brasil, que tirou milhões de pessoas da pobreza. Mas há muito a se fazer nessa área. Uma área interessante é a saúde, com doenças como a tuberculose, que afetam intensamente os países. Há espaço para colaboração, pesquisas em redes de especialistas e agências de vigilância sanitária.
Agência Brasil: Existem esforços concentrados para produção e pesquisas sobre vacina?
Embaixador Eduardo Saboia: Já existem entendimentos entre os vários ministérios. Temos uma vasta agenda do Brics, e há uma interlocução no Ministério da Saúde com as contrapartes dos Brics, que já estão trabalhando em áreas como vacina. É uma área promissora. Trabalharemos com afinco na nossa presidência, mas esse esforço já está em andamento e envolve vários setores da administração pública.