Lagartas de algumas famílias, como a Riodinidae, desenvolveram uma interação específica com formigas, sendo que duas espécies dessas lagartas interagem exclusivamente com duas espécies de formigas. Um estudo publicado na revista Insect Science por pesquisadores das universidades de São Paulo (USP), Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Federal de Alagoas (Ufal) revela que essa interação é altamente especializada, com cada lagarta interagindo apenas com uma espécie de formiga.
O trabalho, que contou com o apoio da Fapesp, revelou que, em experimentos realizados, ao trocar as lagartas e formigas entre si, as formigas atacavam e matavam as larvas de borboletas. Isso ocorria mesmo quando as lagartas utilizavam órgãos específicos e secretavam um líquido açucarado para serem aceitas pelas formigas. “Vimos que os hidrocarbonetos, substâncias que compõem a cutícula, não são parecidos entre si, mas nas lagartas sinalizam um alimento para as formigas", explica Luan Dias Lima, primeiro autor do estudo.
Os pesquisadores também compararam os hidrocarbonetos presentes nas cutículas de formigas e lagartas, encontrando diferenças significativas. As larvas de borboletas secretam uma substância açucarada que as torna reconhecíveis e protegidas por uma espécie de formiga. Em um estudo anterior, foi demonstrado que outras espécies que interagem com formigas podem utilizar uma estratégia diferente, disfarçando-se para se parecer com a planta em que vivem.
O experimento consistiu em coletar lagartas das espécies Juditha molpe, que coexistem com formigas da espécie Dolichoderus bispinosus, e Nymphidium chione, que interagem com formigas Pheidole biconstricta. As lagartas foram coletadas na Estação Ecológica Serra das Araras, no Mato Grosso. Em um dos grupos, as lagartas foram mantidas com a mesma espécie de formiga, enquanto no outro grupo foram trocadas. Em ambos os casos, as lagartas estavam no mesmo gênero de planta (Inga spp.).
No primeiro grupo, a interação seguiu o padrão de harmonia, com as formigas inspecionando as lagartas e reconhecendo os órgãos de comunicação. As lagartas secretaram o líquido açucarado, e as formigas passaram a protegê-las. No entanto, ao trocar as lagartas por outras espécies, a situação se tornou desfavorável. Inicialmente, as formigas ignoraram as lagartas até descobrirem os órgãos especializados. Após a secreção do néctar, o comportamento das formigas mudou rapidamente, culminando em ataques agressivos. “Quase todas as lagartas foram mortas durante esse tratamento de troca de pares”, relata Lima.
A importância dessa interação é tamanha que as fêmeas adultas só depositam seus ovos em plantas que abrigam a formiga específica. “Quando os ovos eclodirem, as formigas protegerão as lagartas de predadores”, afirma Lima. Os pesquisadores agora buscam entender se pequenas quantidades de hidrocarbonetos também podem reduzir ataques de outros inimigos naturais, como predadores e parasitoides, que utilizam pistas químicas para localizar suas presas.
O artigo completo, intitulado Chemical conspicuousness, ant organs, and specificity in myrmecophilous caterpillars partitioning ant-plant systems, pode ser acessado para mais detalhes.