Há exatos 21 anos, os auditores fiscais do trabalho Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva, além do motorista Aílton Pereira de Oliveira, foram assassinados em uma emboscada na zona rural de Unaí, no noroeste de Minas Gerais, a 168 quilômetros de Brasília (DF). A chacina foi executada a mando do fazendeiro Norberto Mânica, conhecido como "Rei do Feijão", proprietário da empresa Agropecuária Ivae e irmão do então prefeito da cidade, Antério Mânica.
Prisão do Mandante
Norberto Mânica foi sentenciado em 2023 a 64 anos de prisão pelos crimes de homicídio qualificado e formação de quadrilha, sendo preso no último dia 15 no interior do Rio Grande do Sul, após estar foragido. O irmão do ex-prefeito também foi condenado e preso no mesmo ano da sentença.
Motivações do Crime
Marcelo Campos, auditor fiscal do trabalho desde 1995, relata que a encomenda do homicídio tinha como alvo inicial exclusivamente Nelson José da Silva, que atuava na fiscalização da região. Segundo Campos, as razões do assassinato iam além do combate ao trabalho análogo à escravidão.
“O Nelson era o auditor lotado em Paracatu [que abrangia] a região de Unaí. Ele cuidava da fiscalização, organizava as fiscalizações e comandava equipes que iam lá. […] Era um auditor negro que notificava, cobrava e dava ordens para fazendeiros brancos. Fazendeiros com poder econômico e político que nunca aturaram receber ordens de um auditor negro.”
Campos destaca que o verdadeiro motivo do assassinato não se relacionava diretamente às multas aplicadas pelo Ministério do Trabalho, que, segundo ele, não representavam um incômodo econômico relevante para os empregadores.
A Ordem para Matar
Na narrativa de Campos, no dia do assassinato, os pistoleiros contratados para matar apenas Nelson relataram que ele estava acompanhado por outras três pessoas. A ordem recebida foi clara:
“Passa o cerol. Mata todo mundo.”
Ele ressalta que os Mânicas não sabiam quem eram Eratóstenes, João Batista ou Aílton; o foco estava em Nelson.
As afirmações de Marcelo Campos foram feitas publicamente na tarde desta terça-feira (28), durante uma mesa-redonda organizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em Brasília, com a presença do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, do Ministério Público do Trabalho e representantes da sociedade civil.
Mudanças nos Protocolos de Fiscalização
Marcelo Campos, que iniciou sua carreira no mesmo ano em que o MTE começou a combater a exploração do trabalho em condições análogas à escravidão (1995), descreve que, após a chacina de Unaí, houve uma mudança significativa nos protocolos de fiscalização.
“Nós mudamos todos os nossos protocolos a partir dali, não só para fiscalizações de combate ao trabalho escravo, mas também para fiscalizações rurais e até urbanas que demonstram algum perigo. Nesse caso, a gente atua com a Polícia Federal, com a Polícia Rodoviária Federal.”