Amostras de cérebros humanos cognitivamente normais, coletadas em autópsias no início de 2024, revelaram uma quantidade alarmante de microplásticos, superando em até 30 vezes a presença desses fragmentos em rins e fígado. O estudo, liderado por Matthew Campen, professor de ciências farmacêuticas da Universidade do Novo México, destaca que as concentrações de microplásticos no tecido cerebral variaram de 4.800 microgramas por grama, ou 0,48% do peso, o que equivale a uma colher de plástico padrão. Campen observou que essa quantidade é cerca de 50% maior em comparação com amostras coletadas em 2016.
O impacto desse acúmulo de microplásticos é ainda mais significativo em indivíduos diagnosticados com demência, que apresentaram três a cinco vezes mais fragmentos do que aqueles com cérebros saudáveis. Os microplásticos foram encontrados concentrados nas paredes das artérias e veias do cérebro, assim como nas células imunológicas. Campen observou que, embora os resultados sejam preocupantes, é fundamental considerar que a demência compromete a barreira hematoencefálica e os mecanismos de eliminação do cérebro, podendo favorecer o acúmulo de plásticos.
A ausência de evidências definitivas sobre a relação entre microplásticos e doenças neurodegenerativas foi enfatizada por Phoebe Stapleton, professora associada de farmacologia e toxicologia da Universidade Rutgers. "Não está claro se essas partículas são fluidas, entrando e saindo do cérebro, ou se se acumulam nos tecidos neurológicos," afirmou Stapleton.
Campen também destacou que, apesar da presença significativa de microplásticos, ainda não se sabe se o cérebro é capaz de eliminar esses fragmentos da mesma maneira que o fígado e os rins. Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo também corroboraram esses achados ao detectar microplásticos no cérebro de oito indivíduos.
Os dados coletados refletem um aumento da poluição plástica e da exposição humana a esses materiais. Dr. Philip Landrigan, pediatra e professor de biologia, ressaltou que a produção de plástico tem aumentado exponencialmente nos últimos anos, com mais da metade de todo o plástico já produzido sendo fabricado desde 2002. "A maior questão é: ‘O que essas partículas estão fazendo conosco?’", questionou Landrigan, que também é autor de um relatório sobre os danos à saúde associados ao plástico.
A presença de microplásticos no corpo humano não é nova; estudos anteriores já identificaram esses fragmentos em diversos órgãos, incluindo coração, pulmões e fígado. "Temos algumas boas indicações de que microplásticos e nanoplásticos causam danos, mesmo que estejamos longe de conhecer a extensão total desses danos," afirmou Landrigan.
O estudo, publicado na revista Nature Medicine, comparou tecidos cerebrais, renais e hepáticos de autópsias realizadas em 2016 e 2024, além de amostras de pessoas que morreram entre 1997 e 2013. As amostras de cérebro foram coletadas do córtex frontal, área crítica relacionada ao pensamento e raciocínio, e que é particularmente afetada em casos de demência frontotemporal e doença de Alzheimer.
Os microplásticos, que variam de menos de 0,2 polegadas a 1 nanômetro, são alarmantes devido ao seu tamanho diminuto, permitindo que se alojem em células individuais. A hipótese levantada por Campen sugere que os nanoplásticos se infiltram no organismo, potencialmente atravessando a barreira hematoencefálica, atraídos por lipídios presentes no cérebro.
Com 60% de gordura, o cérebro humano é um dos órgãos mais propensos ao acúmulo de microplásticos. A dieta é considerada a principal rota de exposição, mas a inalação de partículas também desempenha um papel significativo. "A ingestão é provavelmente a via dominante, mas a inalação também é uma via importante," concluiu Landrigan.
Para minimizar a exposição aos plásticos, especialistas sugerem algumas medidas simples, como evitar embalagens plásticas, usar recipientes de vidro e optar por canecas reutilizáveis. "É importante não assustar demais as pessoas, porque a ciência nesta área ainda está evoluindo," alertou Landrigan, enfatizando a necessidade de ações coletivas para combater a poluição plástica.