Astrônomos registram pela primeira vez a formação de jatos em um buraco negro


Um fenômeno considerado impossível de ser observado, mesmo por astrônomos experientes, foi detectado pela primeira vez e em tempo real por uma equipe internacional de cientistas: um jato de plasma sendo ejetado de um buraco negro supermassivo. A primeira autora do estudo, Eileen Meyer, da Universidade de Maryland, Condado de Baltimore (UMBC), nos EUA, destacou: “Temos observações muito detalhadas de um jato de rádio ‘ligando’ em tempo real, e ainda mais emocionantes são as observações do VLBI, que mostram claramente esses aglomerados de plasma se movendo para fora do buraco negro”.

O VLBI (Interferometria de Linha de Base Muito Longa) é uma técnica de observação astronômica que combina dados de múltiplos radiotelescópios espalhados pelo mundo. Durante anos, os astrônomos observaram simultaneamente a galáxia 1ES 1927+654, localizada a cerca de 270 milhões de anos-luz da Terra, na constelação do Dragão. Essa galáxia é classificada como um “núcleo galáctico ativo” (AGN) e abriga um buraco negro em seu centro, que vinha adicionando material de forma lenta até que, em 2018, sua atividade acelerou, tornando-se 100 vezes mais brilhante.

Meyer descreveu a aceleração na 245ª reunião da Sociedade Astronômica Americana: “Em 2018, o buraco negro começou a mudar suas propriedades bem diante de nossos olhos, com uma grande explosão óptica, ultravioleta e de raios X”. Essa mudança rápida surpreendeu os astrônomos, pois esperava-se que alterações em um buraco negro levassem escalas de milhares ou milhões de anos. Após a grande explosão, o buraco negro aparentou retornar a um estado de calmaria em 2020, mas, em abril de 2023, começou a emitir ondas de rádio 60 vezes mais intensas do que alguns meses antes, um comportamento inédito.

O crescimento da atividade em raios X levou a equipe da UMBC a um estado de alerta total. "Sabe, há alertas rápidos — algo acontece e você tem que ir atrás. Você tem que entrar nisso, e não importa se é meia-noite, você tem que enviar aquele e-mail porque você sabe que cada hora conta", explicou Meyer. Com imagens de alta resolução do VLBI, a equipe conseguiu a descoberta histórica: a formação, em tempo real, de um par de jatos de plasma se expandindo em direções opostas do buraco negro ao longo de 2023-2024.

A importância de observar um jato de plasma de um buraco negro é imensa. Em um release, Meyer enfatizou que descobrir como esses jatos funcionam “é algo muito importante para entender o panorama geral de como o universo está evoluindo e as galáxias evoluíram”. As imagens do VLBI demonstram que “este é realmente um jato de plasma de saída que está causando o flare de rádio. Não é algum outro processo provocando aumento na emissão de rádio”, afirmou Meyer. Ela estima que o jato se move “a provavelmente 20% a 30% da velocidade da luz”.

Comparados às estruturas de jatos massivos de outros AGNs, os novos jatos da 1ES 1927+654 são relativamente pequenos e fazem parte de uma nova classe chamada "objetos simétricos compactos" (CSOs na sigla em inglês). Meyer acredita que a descoberta de sua equipe representa, na verdade, o nascimento de um novo CSO. Uma hipótese recente sugere que os CSOs podem ser frutos da "ingestão única de uma estrela ou de uma nuvem de gás", que alimenta esse jato de curto prazo por até mil anos.

O coautor Sibasish Laha, pesquisador da UMBC, destacou que “este estudo, pela primeira vez, nos dá a rara oportunidade de entender como um buraco negro supermassivo ‘conversa’ com a galáxia hospedeira”. Antes, não havia como observar a região interna de um buraco negro para ver como o disco de acreção interage e produz o jato. “Há muito trabalho teórico a ser feito para entender o que vimos, mas o lado bom é que temos uma quantidade enorme de dados”, concluiu Meyer.

O estudo foi publicado na revista Astrophysical Journal Letters.



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