Uso frequente de maconha pode prejudicar a memória, indica pesquisa


O uso frequente de maconha pode comprometer a memória de trabalho do cérebro, impactando aspectos cruciais como segurança, comunicação e desempenho profissional. Essa descoberta é resultado de um novo estudo conduzido por Joshua Gowin, professor assistente de radiologia na Escola de Medicina Anschutz da Universidade do Colorado.

“A memória de trabalho é a capacidade de manter informações por um curto período e utilizá-las”, explica Gowin. Um exemplo prático dessa função é quando um motorista verifica seu ponto cego; ao olhar novamente para a frente, é necessário lembrar o que foi visto para tomar uma decisão segura ao trocar de faixa. Ele acrescenta: “Durante uma conversa, precisamos reter o que o chefe disse para formular uma resposta adequada. A perda da memória de trabalho significa que reter essa informação pode ser mais desafiador.”

O estudo, publicado na JAMA Network Open, é observacional e não estabelece um vínculo direto de causa e efeito entre o uso de cannabis e a deterioração da memória. Carol Boyd, professora emérita da Universidade de Michigan, ressalta que, embora o estudo não prove que a cannabis prejudica o cérebro, ele fornece evidências que corroboram experiências de longo prazo relatadas por usuários. “Durante anos, amigos e familiares de usuários pesados de cannabis notaram que suas memórias estavam ‘destruídas’”, afirma Boyd.

Os pesquisadores analisaram dados do Human Connectome Project, que investiga a relação entre idade, desenvolvimento e saúde cerebral. O estudo envolveu mais de 1.000 ex-usuários ou usuários atuais de cannabis, que realizaram testes cognitivos entre 2012 e 2015. Esses testes avaliaram a memória de trabalho, processamento emocional e habilidades motoras, além da interação social.

Os participantes, com idades entre 22 e 36 anos, forneceram amostras de urina para verificar o uso recente de cannabis. O THC, composto psicoativo da maconha, pode ser detectado por até duas semanas em usuários ocasionais e por períodos mais longos em usuários regulares. A pesquisa categorizou os participantes como usuários pesados (mais de 1.000 vezes), moderados (10 a 999 vezes) ou não usuários (menos de 10 vezes).

Os resultados mostraram que o uso de cannabis estava associado a uma redução na atividade cerebral em áreas relacionadas à tomada de decisão e memória. Em particular, 63% dos usuários pesados apresentaram atividade cerebral reduzida durante tarefas de memória de trabalho, enquanto 68% dos que testaram positivo para uso recente de cannabis exibiram um impacto semelhante. “O uso crônico parece ter um efeito mais significativo do que o uso recente”, afirmou Gowin.

Ainda assim, o estudo não conseguiu identificar se o tempo de uso intenso de cannabis influenciou os resultados. “Mesmo que um usuário crônico tenha parado de usar, ainda apresentava declínio cognitivo na memória de trabalho”, explicou Gowin, enfatizando que os efeitos estão mais relacionados ao uso ao longo da vida do que ao uso recente.

Os usuários pesados de cannabis tendiam a ser predominantemente masculinos, com menor nível educacional e status socioeconômico, além de serem mais propensos ao consumo de álcool. No entanto, mesmo com a inclusão do álcool nos modelos estatísticos, os pesquisadores descobriram que o uso de cannabis foi o principal fator relacionado aos problemas de memória.

O estudo também não conseguiu controlar a presença de condições psicológicas pré-existentes, como TDAH, que podem afetar a memória de trabalho. “É possível que o TDAH seja um fator confundidor na relação entre o uso pesado de cannabis e o comprometimento da memória”, destacou Boyd.

Os pesquisadores não determinaram as quantidades de THC consumidas ou o método de uso, embora Gowin note que a pesquisa foi realizada antes de 2015, quando fumar maconha era mais comum. “Fumar ou inalar cannabis faz com que ela atravesse a barreira sangue-cérebro mais rapidamente do que se consumida em forma de comestível”, explicou.

A questão crucial permanece: os usuários regulares de cannabis conseguirão recuperar sua memória de trabalho? Gowin observa que ainda é cedo para afirmar. “Alguns estudos mostraram que indivíduos que pararam de usar cannabis por um período, geralmente um mês, podem recuperar parte de sua função de memória durante esse tempo”, finaliza.



Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *