Estado foi “inimigo” no caso Guadalupe, diz ministra do STM


Futura presidente do Supremo Tribunal Militar expressa preocupação com a decisão sobre assassinatos de Evaldo Rosa e Luciano Macedo

A futura presidente do Supremo Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Rocha, afirmou que o julgamento dos militares envolvidos nos assassinatos de Evaldo Rosa e Luciano Macedo a deixou “extremamente abalada”.

A ministra considerou "lamentável" a decisão da Corte em reduzir as penas dos oito militares do Exército acusados pelos crimes. Os militares dispararam 257 vezes, atingindo o carro em que Evaldo e sua família estavam, enquanto se dirigiam a um chá de bebê no bairro de Guadalupe, na zona norte do Rio. Luciano Macedo foi morto ao tentar ajudar as vítimas.

“Não tem nada pior do que temer o Estado. O Estado pode ser um inimigo invisível que você não tem como combater. A prova disso está em Guadalupe”, afirmou Maria Elizabeth Rocha.

Ela foi a única a votar pela punição severa, sugerindo 31 anos e 6 meses de reclusão para o tenente, 28 anos para o sargento e 23 anos e 4 meses para os demais. No entanto, o relator, tenente-brigadeiro Carlos Augusto Amaral, argumentou que o tiro que atingiu Evaldo ocorreu durante uma troca de tiros, mudando a classificação de homicídio doloso para culposo. A decisão final resultou em penas de três anos e sete meses para o tenente e três anos para os outros, todos em regime aberto, gerando forte repercussão.

Maria Elizabeth Rocha qualificou a situação como uma manifestação de racismo estrutural, destacando que os militares envolvidos também eram negros.

“Não é admissível que o Estado se comporte dessa forma. Eles foram sujeitos a um perfilamento racial”, enfatizou.

Ela defendeu a necessidade de maior transparência nas ações da Justiça Militar e a submissão dos militares ao poder civil, citando a criação do Ministério da Defesa como um passo necessário.

“Os homens que são armados e investidos no monopólio da força legítima pelo Estado têm que se submeter ao poder civil e se subordinar às regras civis e militares”, disse.

Maria Elizabeth Rocha também comentou sobre a tentativa de golpe de Estado por militares e a importância de incluir conteúdos sobre democracias nas academias militares e na educação civil.

Durante a entrevista à Agência Brasil, a ministra abordou a repercussão internacional da decisão do STM, que associou o Brasil à impunidade. “Foi lamentável tudo o que aconteceu. Eu fiquei extremamente abalada. Talvez tenha sido o pior processo que eu julguei nesses 18 anos de magistratura”, declarou.

Ela destacou a necessidade de dar mais publicidade sobre o papel do STM, que foi criado em 1808, e enfatizou a importância de mostrar à sociedade sua relevância.

“A propaganda é a alma do negócio. E é para mostrar que a gente existe e que a gente tem um papel importante que exercemos dentro do Estado Democrático de Direito”, afirmou.

Maria Elizabeth Rocha, que tomará posse em março de 2025, ressaltou que quer abrir as portas do STM para a sociedade, criando uma assessoria de diversidade e uma assessoria internacional para fomentar diálogos entre cortes.

“O que importa é sempre buscar o aperfeiçoamento democrático”, concluiu.

A ministra acredita que a formação dos militares deve incluir uma ênfase maior em Direitos Humanos e na Constituição, para que todos compreendam a importância da democracia. Ela enfatizou que o medo do Estado é um problema grave e que a educação é fundamental para combater essa realidade.

“Não há nada pior do que ter por inimigo o Estado. E numa ditadura é assim, o Estado é o inimigo”, finalizou.



Fonte: EBC

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