Juiz do DF suspende resolução que instruía sobre aborto legal de menor


O Tribunal Regional Federal 1 (TRF1) concedeu uma liminar que suspende a resolução com diretrizes sobre o atendimento a menores de idade vítimas de violência sexual em casos de aborto previsto em lei. A resolução, proposta pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), foi aprovada na segunda-feira (23), com 15 votos a favor e 13 contra, sendo estes últimos provenientes de autoridades do governo federal.

A decisão foi anunciada nesta terça-feira (24) pelo juiz Leonardo Tocchetto Pauperio, que acolheu a argumentação da ex-ministra e senadora Damares Alves (Republicanos-DF). A ex-ministra afirmou que a resolução não definiu um limite gestacional para a realização do aborto legal e que a vontade da criança ou adolescente gestante deveria prevalecer sobre a de seus pais ou responsáveis legais, caso não houvesse concordância.

Damares Alves alertou que essa abordagem poderia gerar "relevante clamor social". Como uma defensora assumida da vida e da família, Damares também mencionou os pedidos de vistas e o adiamento das discussões dentro do Conanda para justificar a derrubada da resolução.

O juiz Tocchetto Pauperio argumentou que "o pedido de vistas é um direito ao mesmo tempo que um dever, pois refere-se diretamente à aplicação de política pública de grande relevância social", como é o caso do aborto legal de menores de idade. Ele ressaltou que o Conanda não seguiu as regras do processo legal administrativo, agindo em desacordo com "a legalidade e a segurança jurídica que devem ser inerentes aos atos da Administração".

"Dessa forma, não entendo razoável colocar em risco uma infinidade de menores gestantes vítimas de violência sexual, mormente nessa época do ano, sem que haja a ampla deliberação de tão relevante política pública," sublinhou o magistrado. Com a liminar, o Conanda tem até dez dias para prestar informações, conforme destacado no despacho que detalha a concessão da medida.

Damares Alves protagonizou, em 2020, um dos episódios mais repercutidos relacionados ao aborto legal no país, quando mobilizou apoiadores para protestos em frente ao hospital onde uma menina de 10 anos, vítima de estupro, realizaria o procedimento. A criança, que sofreu violações desde os 6 anos, engravidou de seu tio, o agressor.

Outro Lado

A conselheira do Conanda, Deila Martins, que faz parte da mesa diretora, argumenta que a decisão do juiz coloca as vítimas em risco. "Para nós, o que as coloca em risco é, com a suspensão da resolução, serem privadas de um atendimento e de terem seus direitos respeitados," acrescenta, destacando a obrigatoriedade de permitir que as vítimas tenham acesso a cuidados adequados.

Em uma postagem que circula nas redes sociais e em documento encaminhado à imprensa, as entidades integrantes do Conanda defendem que a aprovação ocorreu de maneira democrática, com a participação social. O principal ponto frisado é que "a resolução não inova o direito ao aborto legal, previsto no Código Penal desde 1940, apenas detalha o fluxo para garantir os direitos das crianças e adolescentes."

A legislação brasileira assegura o direito ao aborto em três casos: quando a gravidez representa risco à mãe, é fruto de estupro ou em situações de anencefalia do feto. As organizações afirmam estar "indignadas", especialmente em um período de retomada da cultura democrática.

Os representantes da sociedade civil ressaltam que o teor da resolução foi debatido desde setembro deste ano, em várias reuniões, contando com a participação de especialistas e conselheiros. Uma reação expressiva nas redes sociais incluiu hashtags como "#estupradornãoépai" e "#criançanãoémãe", além de opiniões que criticam a ideia de que crianças e adolescentes são incapazes de decidir sobre um aborto legal, enquanto são consideradas aptas para gestação e maternidade.

Estatísticas

No Brasil, entre 2015 e 2019, 67% dos 69.418 estupros registrados tiveram como vítimas meninas de 10 a 14 anos. Anualmente, cerca de 11.607 partos são consequência de violência sexual praticada contra meninas menores de 14 anos de idade.

Colaborou o repórter Gésio Passos, da Radioagência Nacional.



Fonte: EBC

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