Em todo o país, aproximadamente 1,4 milhão de estudantes estão matriculados em escolas públicas que não oferecem fornecimento de água tratada, adequada para o consumo. A maior parte desses alunos é negra. Esses dados fazem parte do estudo "Água e Saneamento nas Escolas Brasileiras: Indicadores de Desigualdade Racial", divulgado recentemente.
Produzido pelo Instituto de Água e Saneamento e pelo Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra), o estudo utiliza informações do Censo Escolar da Educação Básica de 2023, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). As escolas foram classificadas em predominantemente negras ou predominantemente brancas, com base na porcentagem de alunos que se declaram negros ou brancos.
Desigualdade no Acesso à Água Potável
A pesquisa revela que a chance de um aluno estar em uma escola de predominância negra sem acesso a água potável é cerca de sete vezes maior em comparação com escolas de predominância branca. Do total de 1,2 milhão de estudantes sem acesso básico à água, 768,6 mil estão em escolas predominantemente negras; 528,4 mil, em escolas mistas; e 75,2 mil, em escolas predominantemente brancas.
Marcelo Tragtenberg, conselheiro do Cedra e professor da Universidade Federal de Santa Catarina, destaca que os dados referem-se à ausência de água tratada, embora as escolas possam ter outras fontes, como moringas ou filtros artesanais. “Isso tem impacto direto na saúde e no aprendizado, através da saúde”, afirma.
Além disso, cerca de 5,5 milhões de estudantes estão em escolas sem qualquer abastecimento de água pela rede pública. Desses, 2,4 milhões frequentam escolas predominantemente negras e 260 mil, escolas de maioria branca.
Saneamento Básico e Infraestrutura
O estudo também analisa a presença de banheiros, coleta de lixo e esgoto nas escolas. Em todo o país, mais da metade (52,3%) dos alunos matriculados em escolas predominantemente negras enfrenta a falta de ao menos um desses serviços. Em contraste, essa porcentagem é de apenas 16,3% nas escolas predominantemente brancas.
Segundo o estudo, os serviços de saneamento são condições essenciais à dignidade humana, e sua ausência nas unidades educacionais impacta diretamente a aprendizagem dos estudantes. “A falta desses serviços é mais um obstáculo na trajetória educacional dos estudantes negros e constitui-se em uma camada adicional às desigualdades raciais na educação”, ressalta o texto.
Dados Alarmantes sobre Saneamento
Ao todo, 14,1 milhões de estudantes frequentam escolas não conectadas à rede pública de esgoto, sendo cerca de 6 milhões em escolas predominantemente negras. Dentre os que não têm saneamento, 440 mil estudantes estão em instituições que não possuem sequer banheiro.
Além disso, 2,15 milhões de alunos estão em 30,5 mil escolas onde o lixo não é coletado por serviços públicos. Tragtenberg observa que, ao racializar os indicadores sociais, fica evidente que as escolas com predominância de alunos negros têm pior infraestrutura de água e saneamento.
A Situação dos Estudantes Indígenas
O estudo também destaca a situação dos estudantes indígenas, que enfrentam baixos índices de atendimento aos serviços de saneamento básico. Dos 360 mil indígenas matriculados na rede pública, 60% estão em escolas sem abastecimento de água e 81,8% em escolas sem esgoto.
Tragtenberg afirma que as políticas públicas precisam considerar as desigualdades raciais e regionais. “Não adianta só pensar em universalização. Ao não considerar a equidade racial, sempre se vai privilegiar as escolas mais privilegiadas e os estudantes de raça branca”, conclui.
Impacto da Falta de Saneamento na População
A falta de saneamento básico não afeta apenas as escolas. De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), em 2022, 33 milhões de pessoas no Brasil não tinham acesso aos serviços públicos de abastecimento de água, e 90 milhões não estavam conectadas à rede pública de coleta de esgoto.
Além disso, a pesquisa aponta que nem todos os estudantes têm a cor ou raça declarada no censo, o que impacta as análises. Em 2007, 60% não declararam cor ou raça; no ano passado, essa porcentagem caiu para 25,5%, ainda assim representando um em cada quatro estudantes sem essa informação.